quinta-feira, 25 de junho de 2009

A TORTURA DE SARNEY


O uso do cachimbo faz a boca torta, já proclamava a sabedoria popular no judicioso intuito de classificar as atitudes tomadas por determinadas pessoas que a si mesmas se engajam no rol dos seres iluminados que, por esse motivo merecem tratamento diferenciado e comportada admiração dos demais.
Não foi outra a impressão deixada pelo recente discurso do senador José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado da República, ao assumir uma postura cuidadosamente ensaiada de atônita surpresa diante da catadupa de notícias sobre o escândalo dos atos secretos, a mais nova versão do que a elite da tecnoburocracia apoderada de nichos relevantes dos serviços públicos em Brasília faz com o dinheiro dos contribuintes.
Sua excelência poderia ter dispensado a nação brasileira da tortura de ser lembrada da biografia de um homem público que galgou suas posições, graças à obediência irrestrita tributada às mínimas vontades da cadeia do comando do movimento golpista de 1964. Sarney tornou-se presidente da Arena (o partido de sustentação do regime de exceção) e mais tarde do sucedâneo Partido Democrático Social (PDS), levado à implosão pela birra do ex-governador Paulo Maluf, que não abriu mão do “direito” de disputar a sucessão do general João Batista Figueiredo.
Ao pressentir que a vaca estava irremediavelmente atolada no brejo, como se estivesse anunciando uma decisão de extrema coragem cívica, Sarney renunciou à presidência do partido governista e se bandeou para a frente política de apoio à candidatura de Tancredo Neves. Foi o que se viu. Um político marcado por longos anos de cândida devoção aos atos discricionários perpetrados por um regime de força, que jamais lhe atribuiu tarefas mais representativas senão a de atuar como disciplinado vetor dos recados da caserna, viu-se guindado pelo acaso à suprema posição de presidente da República.
Estarreceu o cidadão brasileiro testemunhar as jeremiadas do presidente do Senado, que considerou “uma injustiça do País julgar um homem como eu, com tantos anos de vida pública, com a correção que tenho de família austera, de família bem composta, que tem prezado a sua vida para a dignidade da sua conduta”. Uma família que de fato pode esbanjar exemplos das facilidades encontradas por umas poucas, é preciso reconhecer, de se apropriar dos meios públicos e subordiná-los a interesses pessoais mesquinhos e oportunistas.
Pois os atos secretos negados pelo senador José Sarney (“Eu não sei o que é ato secreto. Aqui ninguém sabe o que é ato secreto”), segundo alardeiam os jornais todos os dias podem ter superado a casa das cinco centenas e foram baixados pelo ex-diretor Agaciel Maia, nomeado pelo próprio Sarney no primeiro mandato como presidente da instituição e mantido no cargo até o estouro da bomba da mansão avaliada em R$ 5 milhões, mas nunca declarada ao Fisco. Sabe-se hoje que a maioria dos atos materializava a insubmissa e desafiadora intenção de burlar a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de acabar com o nepotismo nas instituições públicas.
O presidente José Sarney repetiu ao povo o desmoralizado argumento de proclamar-se ignorante quanto à existência dos atos secretos, sob a complacente manifestação do companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, um reconhecido ombro amigo. Sarney também não sabia que parentes próximos (irmão, netos e sobrinhas) haviam sido aquinhoados com polpudos rendimentos derivados da nomeação em gabinetes de senadores mesmerizados pela imponência do estadista de Macapá. O escárnio chegou às raias da abjeção quando o neto de Sarney foi exonerado da função e, ato contínuo, substituído na concessão da prerrogativa de caráter autenticamente feudal pela própria mãe.
O mentor da benesse foi o senador maranhense Epitácio Cafeteira, um dos fidelíssimos integrantes da bancada pessoal de um político que, apesar das evidências, jamais perdeu a pose serena dos que estão por cima: “A crise do Senado não é minha; a crise é do Senado”. As palavras são bonitas, mas insuficientes para limpar a sujeira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário