Golpes e democracia:
a pedagogia do Mercosul
Ao decidir
suspender o Paraguai e incorporar a Venezuela como membro pleno do Mercosul,
Brasil e Argentina sinalizaram para o aprofundamento do conceito de democracia
na América Latina. Uma decisão que nos compromete no fluxo da vida, pela
responsabilidade que criamos em relação a novas possibilidades de presente e futuro. Os donos de colunas fixas na
grande imprensa costumavam – e ainda costumam – invocar o Protocolo de Ushuaia,
assinado em 1998, pelo Mercado Comum do Sul e por seus países associados, que
define o regime democrático como condição indispensável para a existência e
para o desenvolvimento dos processos de integração. A isso supostamente se
aferravam – e ainda se aferram – para protelar a aprovação da Venezuela como
membro pleno do bloco.
Usam
o argumento de que o “impeachment” de Lugo foi executado dentro das normas
legais previstas na Constituição paraguaia, esquecendo-se do que todos sabem:
nem sempre legalidade é sinônimo de licitude. O mundo jurídico é especialista
em romper com o espírito da lei dentro da letra da lei. Não houve tempo para o
exercício da defesa. O golpe ruralista foi perpetrado e calculado num tempo que
impedisse qualquer articulação nacional em defesa do governo democraticamente
constituído.
O
mesmo vale para o suposto déficit democrático da Venezuela. Nunca é demais
lembrar que Hugo Chávez chegou à Presidência numa eleição, em 1998, em que
obteve 56,2% dos votos. Dois anos depois resistiu a uma tentativa de golpe de
Estado orquestrada pelas velhas oligarquias em conluio com o baronato
midiático. Em 2004, venceu o referendo revogatório da oposição para, dois anos
a seguir, renovar seu mandato presidencial com quase 60% dos votos. Em 2008, o
secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), José Miguel Insulza,
não poupou elogios ao processo democrático venezuelano quando se referiu às
eleições regionais.
Na
ocasião, Insulza parabenizou o governo da Venezuela pela "situação de
normalidade" e destacou a participação maciça da população no pleito.
Destacou também o comportamento dos partidos e agradeceu pelos "tempos de
paz e tranquilidade". Em que país os cidadãos participaram mais ativamente
de processos decisórios que os 16 milhões de eleitores venezuelanos?
* Gilson Caroni Filho, professor, é sociólogo. - Gilson.filhobr@terra.com.br
Jornal do Brasil
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